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E atou-se um nó: O ATO MÉDICO

 

Ato Médico é o nome dado a um projeto de lei aprovado em 19 de junho de 2013 pelo Senado. Ele se constitui em um dos temas mais polêmicos para as profissões de saúde e é, pois, alvo constante de manifestações e protestos. Ainda assim, estudos sobre os projetos são escassos e grande parte das produções que o criticam, o fazem de modo infundado.

    O primeiro projeto de Ato Médico (Projeto de Lei do Senado – PLS 25/2002) foi proposto em fevereiro de 2002, quando o senador Geraldo Althoff alegou "que o surgimento de inúmeras profissões de saúde gerou a necessidade de se delimitar e caracterizar legalmente o campo de atuação do médico, uma vez que essas novas profissões passaram a atuar em atividades que, no passado, eram exclusivamente médicas" (Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, 2006). Naquela mesma época, a mobilização dos demais profissionais da saúde resultou em alteração de alguns artigos desse e, em dezembro do mesmo ano, criou-se um projeto de lei concorrente, o PLS 268/2002, na busca de "preservar o campo de atuação das demais profissões de saúde" (Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, 2006). Após o devido trâmite, o PLS 25/2002 foi rejeitado e arquivado em favor do PLS 268/2002, este "bem mais amplo que o anterior, pois, além de definir o campo de atuação do médico, regula o trabalho médico em seus aspectos trabalhistas e éticos, trata dos conselhos profissionais de medicina e do processo e das sanções disciplinares" (idem), além de já conter, em sua origem, um conjunto de garantias para outras profissões de saúde já regulamentadas e apresentando, portanto, menos conflito com as mesmas.

      Em 2006, a matéria foi encaminhada à Câmara dos Deputados, sofreu mais alterações e deu origem a um projeto concorrente, denominado Substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD 268/2002). O projeto inicial (PLS 25/2002) pode ter, em sua criação, razões para forte rejeição, mas o processo aqui descrito demonstra que a forma e a função do projeto se alteraram e passaram a melhor atender aos direitos de todas as classes envolvidas, longe da perfeição, mas dentro do devido processo democrático.

      Muito tem se falado sobre o Ato Médico - principalmente contra o Ato Médico - em campanhas, manifestações e reivindicações que perduram há alguns anos. Entretanto, o primeiro efeito deste movimento (não importando aqui sua intencionalidade) é que os profissionais da saúde têm recebido constantemente, de pronto, as informações juntamente com as opiniões. Quando isso acontece, aumenta-se a probabilidade de a reação ser em função das opiniões, mais do que das informações, às vezes nem sequer se distinguindo uma da outra.

 A exemplo, no caso da psicologia, o Decreto 53.464 de 1964 regulamenta a Lei 4.119 de 1962 e contém a seguinte descrição:são funções do Psicólogo:

I - Utilizar métodos e técnicas psicológicas com o objetivo de: a) diagnóstico psicológico;

II - Dirigir serviços de Psicologia em órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares;

III - Ensinar as cadeiras ou disciplinas de Psicologia nos vários níveis de ensino, observadas as demais exigências da legislação em vigor;

VI - Realizar perícias e emitir Pareceres sobre a matéria de Psicologia (Decreto 53.464/64, Art 4). Ou seja, além do Decreto 53.464/64, os projetos de lei PLS 268/2002 e SCD 268/2002 garantem ao psicólogo, em dois momentos diferentes (§2º e §7º do Ar.4), sua atividade.

   Agora vale o questionamento: se o Decreto 53.464/64 não explicita que o diagnóstico psicológico é prática privativa do psicólogo, apenas os métodos e técnicas que tenham tais objetivos, isso seria uma brecha que permite ao médico o tal diagnóstico? Sim, mas apenas em parceria com um psicólogo, pois ele não pode aplicar qualquer método ou técnica com esse objetivo.

     A lei torna o médico dependente do psicólogo, no campo da psicologia, e os projetos de lei em discussão não modificam tal estrutura.

    O ato médico, para o próprio médico, trata-se de uma defesa, onde a descrição de suas atividades poderia contribuir para evitar a prática ilegal de medicina. Certamente o caráter dessa defesa é discutível: reserva de mercado ou proteção da saúde comum, mas é fato que as funções do médico ficariam agora estabelecidas em lei (mais rígida, melhor fiscalizada) e não somente pelo Conselho Federal de Medicina. Isso é reafirmado no Art. 6: "A denominação de Médico é privativa dos graduados em cursos superiores de medicina e o exercício da profissão, dos inscritos no Conselho Regional de Medicina com jurisdição na respectiva unidade da Federação" (SCD 268/2002).

     O nó atado quando o tema é o Ato Médico mistura fontes de informação que embasam os argumentos, muitas vezes criando um caráter alarmista dos argumentos, não condizente com o conteúdo dos artigos e extrapolando as consequências práticas dos projetos de lei. Salvo todas as críticas bem fundadas, considerar outros tipos de vieses é alarmista e extrapolador.

 

 

 

Isabela Borges

(Acadêmica do X Período,

ex-bolsista Pet-Medicina)

Conseiderando-se o projeto de lei, nos Art. 1 a 4, descrevem-se as atividades privativas (como intubação traqueal, indicação e execução da intervenção cirúrgica, anestesia geral) e não privativas do médico (como fazer cateterizaçao, punção, aplicar injeção). Vale lembrar que por meio da descrição das funções que não são privativas do médico, compreende-se sobre o que não há exclusividade.

    No Art. 4, descrevem-se as especificações técnicas das doenças, práticas privativas ao médico e as exceções para as mesmas. Em ambas as versões, o §2º do Art. 4 cita-se na lei: "Não são privativos dos médicos os diagnósticos psicológico, nutricional e socioambiental e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva e psicomotora." (SCD 268/2002).

         A existência do §2º do Art.4, embora alvo de críticas, garante aos demais profissionais da saúde as atividades de sua função. Ele afirma que tais tarefas não são privativas ao médico, e isso é diferente de defini-las como "tarefas não privativas". A segunda expressão afirmaria que são tarefas do médico, mas compartilhadas com outras profissões; já a expressão "não são privativos", contida no §2º, nem afirma nem nega que essas sejam atividades médicas. Apenas define que esta lei não garante exclusividade do médico sobre as atividades descritas no parágrafo, texto esse que permite que outras leis definam um posicionamento sobre essas práticas.

       O tão polêmico diagnóstico nosológico aparece definido pelo projeto: “Diagnóstico nosológico é a determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes critérios:

I – agente etiológico reconhecido;

II – grupo identificável de sinais ou sintomas;

III- alterações anatômicas ou psicopatológicas”. (SCD 268/2002, Art. 4, §1º). Além disso, “São resguardadas as competências específicas das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia e outras profissões correlatas que vierem a ser regulamentadas.” (SCD 268/2002, Art. 4º, §7º).

    O objetivo deste parágrafo é deixar explícito que as funções médicas não almejam alterar os atos dos outros profissionais de saúde providos de curso superior (graduação), cujas atividades estão regulamentadas por lei.

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